Quando uma pergunta revele mais do que aquilo que você fala sobre você mesmo.
Falo muito sobre propósito de vida, significado, crescimento constante, desenvolvimento pessoal, o que envolve estar profundamente conectado ao presente, aspirar um eu futuro melhor, trabalhar nesta sua melhor versão, competir consigo mesmo, estar mais comprometido com o processo do que com o resultado, e ter clareza do caminho a perseguir. Estes são ao menos alguns elementos.
E quando converso com as pessoas diretamente, ou através das redes sociais, costumo ouvir afirmações de que estão neste caminho, as pessoas na sua grande maioria afirmam estar alinhadas com os elementos que mencionei acima.
Será que estão mesmo? Normalmente não estão.
Como descubro? Perguntando?
Nada disso. Descubro respondendo, exato.
Quando a pessoa me responde, ela direciona a resposta para algo que ela deseja ou imagina, ainda que desconectado com a realidade. E não quer dizer que a pessoa mente, na verdade, na maioria das vezes, a pessoa incorre em um erro cognitivo. Ela pensa que vive aquilo, mas na prática não é bem assim.
E quando a pessoa me pergunta? Daí sim ela revela o que realmente pensa, ela expressa melhor sua prática de vida ao perguntar.
Por que? Porque a pessoa pode ter um erro cognitivo, não ter consciência plena de que vive uma coisa mas fala outra. Mas quanto a pessoa pergunta, o questionamento vem conectado com o modelo de pensamento e comportamento que ela efetivamente adota na sua vida.
E o meu ponto principal neste texto é explorar basicamente o elemento de que a vida envolve se comprometer mais com o processo, com a jornada do que com o resultado, que é mera consequência. Entender que a vida se trata mais de uma disputa consigo mesmo, se elevar sempre a uma melhor versão, independente dos outros, ou seja, evitar as comparações e competições externas, que normalmente vão nos desviar do caminho ou nos sobrecarregar (física ou emocionalmente).
Mesmo as pessoas que respondem estar alinhados com isso, quando perguntam, revelam que não.
Vou usar como exemplo uma recorrente experiência de vida minha.
Comecei no triatlo tardiamente, aos 42 anos, desde o início já me apaixonei pelos treinos, e o estilo de vida que criei a partir deles. Mas com o tempo peguei o gosto pela competição, que me ajuda a seguir criando minha melhor versão (física e emocionalmente).
Logo fui migrando de distâncias, chegando nas provas de Ironman aos 45 anos.
E até hoje recebo perguntas semelhantes, e sei que todos que praticam esportes passam por algo assim.
Sempre que alguém sabe que fiz uma prova, a pergunta logo vem: “Em que posição você ficou?”.
E esta pergunta não remete somente à possível ideia de pessoas mais distantes que imaginem que eu seja um atleta profissional, ou um amador de elite, porque mesmo quem me conhece mais de perto, e sabe do meu começo tardio, também costuma fazer esta pergunta.
Tem também uma variação mais refinada, de quem é muito próximo, e conhece mais o meu esporte, já me viu competir, e sabe que não desfilo nos pódios, mas mesmo esta versão é uma pergunta que tem a mesma ideia da pergunta anterior. A pergunta é: “Você fez a prova para quantas horas?”.
Agora me diga. Me dê seu palpite. Estas perguntas parecem mais (vou fazer um múltipla escolha aqui, você pode marcar mais de uma): A) focadas no resultado; B) focadas na experiência vivida; C) focadas na individualidade e crescimento pessoal; D) focadas na competitividade com os outros; E) todas as respostas anteriores.
Volta no parágrafo acima e responde, não pula.
Tá, agora que você respondeu, eu vou te dar a minha posição.
Estas pergunta preenche as respostas A e D da questão de múltipla escolha acima. Quem faz essas perguntas está 100% focado no resultado e na competição externa, não são perguntas de quem está focado na experiência presente e crescimento pessoal e individual, não são perguntas de quem está mais comprometido com o processo do que com o resultado final.
Estas perguntas, além de indicar claramente o pensamento e comportamento real de quem faz a pergunta, me mostrando alguém que está totalmente comprometido na competição externa, na busca de resultados, também me indica alguém que possivelmente está esquecendo de viver sua vida de forma mais autêntica, perdendo exatamente propósito e significado de vida.
Por isso não me surpreende o “surto” de infelicidade, burnout, ansiedade, sentido de falta de propósito e significado.
Pois mesmo quando as pessoas respondem estar conectadas com a sua própria vida, quando perguntam, indicam claramente que estão mais preocupadas com a vida dos outros, e como os outros vão perceber sua própria vida.
Pessoas com o tipo de pergunta “Em que posição você ficou?” perdem já uma primeira perspectiva. Não entendem que as pessoas jogam jogos diferentes.
No meu caso específico. Comecei no esporte para salvar minha vida, ajustar minha saúde, buscar longevidade saudável, após um quase infarto. A minha vitória é treinar todos os dias, participar de competições, finalizar as provas me sentindo bem. Eu não estou na briga por pódios ou por marcas de tempo. Portanto, a pergunta de qual posição fiquei pressupõe um jogo que não estou jogando.
Mas deixa eu trazer outro exemplo, para você entender bem. Você pode ver investidores, no mercado financeiro, com estratégias diferentes da sua, e considerá-los malucos, ou concluir que não sabem investir. Mas você se esquece de uma pergunta básica: “Qual o jogo que eles estão jogando?” Você pode ser um investidor de longo prazo, e a outra pessoa pode ser alguém que negocia Day Trade (operações realizada no mesmo dia), ou você pode ter começado a investir aos 20 anos, e a outra pessoa começou somente aos 40 anos, nestes casos, sua estratégia vai ser completamente diferente destas outras pessoas, porque vocês estão jogando jogos completamente diferentes.
Este o primeiro ponto que você esquece de considerar. Você cria um modelo padrão, mas não sabe que jogo as pessoas estão jogando.
E este tipo de conclusão pode te levar a um problema maior ainda, que é quando você não entende que há jogos diferentes, e você quer copiar os outros, adota o mesmo comportamento, faz as mesmas coisas. Neste caso você provavelmente vai ter problemas, pois está agindo como alguém que está jogando um jogo totalmente diferente do seu.
Imagine o investidor que começou aos 40 anos, se ele olhar para o que começou aos 20 e tentar copiar a estratégia, sem entender que jogam jogos diferentes. Dificilmente ele vai conseguir ter sucesso, pois tem um déficit de 20 anos de investimento e juros compostos.
Vamos voltar para a minha experiência? Imagina eu me deixar levar pelas pessoas que perguntam “Em que posição você ficou?”, e que eu então me sinta influenciado, e passe a jogar o jogo de quem está buscando o pódio, os resultados. Ocorre que poderei adotar comportamentos que vão colidir com minha intenção de saúde, longevidade e equilíbrio de vida.
Agora pense no texto, releia se necessário, e tire um tempo para você refletir.
Você está sendo totalmente autêntico, perseguindo seus sonhos, indo atrás de um propósito de vida que você mesmo definiu, independentemente do que os outros pensam? Ou você está adotando um modelo que te disseram para seguir, fazendo algo que está copiando dos outros, ou mesmo, fazendo algo para competir com os outros.
E ainda, pense se o que você está fazendo realmente está focado em sua evolução e crescimento pessoal, ou se somente atende a resultados valorizados externamente, como a pontuação social que é dada através do dinheiro.
Se você me perguntar, após um Ironman “Em que posição você ficou?”, imagina eu te perguntar de volta: “Em que posição da Forbes você está”, ou “Qual a sua posição salarial dentro da sua empresa?” Você talvez fique perplexo e chocado com a pergunta. Pois é, seja bem vindo.
Pense de novo, terminei mais uma prova de Ironman.
O que você quer me perguntar?