Treinos perdidos: caminhando para o fracasso.
Você alguma vez sentiu que sua vida está te sufocando?
Aquela sensação de evitar as falhas acaba te devorando, tirando o prazer de coisas boas, e pior, te impedindo de acessar outras coisas com potencial incrível, mas para as quais você não tem nem olhado.
Vou ajudar na reflexão trazendo fatos da minha própria semana.
Nesta semana estive envolvido com a minha mudança, e quem já se mudou de casa, apartamento, ainda que dentro da mesma cidade, sabe que é uma confusão, uma correria.
Vários dias da semana a mudança tomou o lugar central, tomando quase todo meu tempo, e isto acarretou algo que há muito tempo não acontecia comigo.
Eu perdi treinos.
Quando eu digo que não acontecia, falo sério, e para vocês terem uma ideia, no anos de 2023, em que completei meu primeiro IRONMAN, eu treinei (ou competi) 350 dias no ano.
Exatamente, tive somente algo em torno de duas semanas sem treinos, mas em dias intervalados ao longo de todo 2023, e estas folgas foram principalmente após minhas duas maiores competições (Ironman e Fodaxman Solo), paradas obrigatórias mesmo, para recuperação do corpo.
E somente nesta semana já perdi 02 (dois) dias inteiros de treino.
Quarta deveria ter corrido. Mudança. Não corri.
Sexta deveria ter corrido e nadado. Mudança. Não corri nem nadei.
Sábado (hoje) deveria ter pedalado 3 horas e 40 minutos. Mudança. Treino reduzido, pedalei 3 horas.
Você pode estar dizendo “mas é normal isso, tá tudo certo”.
Mas pra mim isto é muito fora do normal. Reitero, em 2023 estive em ação, nadando, pedalando ou correndo em 96% dos dias do ano.
Mas claro, o triathlon é um esporte que amo, não digo que fosse um fardo todo treino, não é este meu ponto.
Flexibilização ou rigidez: quando o medo está no comando.
O ponto que quero trazer para reflexão é como encarar a flexibilização.
Outros tempos eu não admitiria flexibilidade, treino na planilha, é treino a ser executado, não importa se pra isso vai dormir somente 4 horas em uma noite, ou ter que cometer qualquer outra loucura (sim, já adianto, sono é algo muito sério, e ninguém deveria cogitar sono abaixo de 6 horas pelo menos).
E a linha é muito tênue, esta a reflexão que considero importante.
Porque digo que a linha é tênue?
Porque não podemos ir ao oposto extremo de extrema flexibilização, pois a forma como agimos treina nosso cérebro.
Sabe aquele famoso “hoje é dia de academia, mas estou cansado”, “prometi para mim mesmo começar a dieta este mês, mas deixa pra lá, começo mês que vem”, “eu deveria começar o projeto hoje, já tenho tudo que precisa, mas começo na segunda, estarei mais descansado”.
Aquela pilha de desculpas que as pessoas se dão para não fazer o que tem de ser feito.
Isso é péssimo, pois você treina seu cérebro que a sua palavra não precisa ser cumprida.
E cada vez mais seu cérebro se acostuma com este modelo, e não gera a motivação necessária para a ação.
Seu cérebro aprende quando você fala mas não cumpre.
E quando seu cérebro identifica este padrão, seu mecanismo de motivação só desmorona.
Você tem de treinar seu cérebro em sentido oposto, você tem de mostrar para ele que aquilo que você fala, você cumpre.
Quando começar a fazer isto de forma consistente, o cérebro identifica este padrão como o normal, e seu mecanismo de motivação passa a funcionar muito melhor.
Portanto, a hiper flexibilização é um problema, vai fazer ruir seu mecanismo de motivação.
Voltando ao meu caso, é importante eu ter compromisso e disciplina com o meu treino, eu favoreço minha motivação, pois mostro que cumpro.
Mas agora vamos encarar o outro extremo, quando você pode ficar refém disto, por não permitir qualquer flexibilização, por medo que um mero deslize derrube todo o castelo de cartas.
Eu estava vivendo aqui, não me permitia qualquer grau de flexibilidade.
Mas hoje entendo bem a origem disto. Aproveito para te dizer que, se tem algum comportamento teu que te incomoda, você deveria investigar a origem, pois somente assim pode corrigir o rumo, e viver melhor consigo mesmo.
Mas voltando, qual a origem do meu comportamento super rígido? O medo.
Lá está o medo de novo, parece estar no centro do palco do show de nossos obstáculos e dificuldades.
Por que medo? de que?
Medo de voltar ao estado anterior.
Você talvez tenha algum conhecido, ou até tenha passado por isso. Alguém que foi muito gordo, e que fez uma super dieta, mudando radicalmente seu corpo. Muitas vezes a pessoa que passou por isto, mesmo sendo depois estimulada por nutricionista a comer mais, acaba travando, não consegue. Tem medo de voltar a ser muito gordo.
Eu mesmo conheci pessoas assim no triathlon. Como este esporte tem uma demanda energética muito alta, acabamos comendo e suplementando muito. Mas alguns atletas ex-gordos tem muita resistência a comer a quantidade adequada, ficando abaixo do indicado.
E no meu caso? Quem me acompanha já sabe que comecei no triathlon somente aos 41 anos, após quase chegar a um infarto, em decorrência de uma vida de muito estresse, sedentarismo e péssimos hábitos alimentares.
Aqui está o medo!
O esporte iniciou como saúde, e se tornou uma paixão e estilo de vida. Mas o código de origem estava lá já gravado em meu cérebro, o esporte como ferramenta que salvou minha saúde e minha vida.
Entendem a dificuldade de me afastar dos treinos? Parece exagerado?
Um preguiçoso e um ditador: quando o subconsciente assume o comando.
Nosso cérebro tem a parte consciente, da razão, que está ao nosso alcance, mas tem também toda uma porção subconsciente, que não acessamos, mas que nos gera pensamentos automáticos, com base em todas nossas vivências e aprendizados.
Nosso subconsciente vai dirigir muitos de nossos pensamentos.
E quem me acompanha já sabe o que digo. A única coisa que domino são meus pensamentos, e a partir dele eu realizo ações, comportamentos, que reiterados viram hábitos, e estes gerarão meus resultados.
Agora, vejam que apesar de os pensamentos ser a única coisa que eu efetivamente domino, ainda assim, eu preciso estar vigilante para ter o total controle, senão terei de disputar este com o subconsciente.
O subconsciente é um inimigo invisível muitas vezes, pois ele gera pensamentos automáticos, e se não estou bem treinado, acredito que os pensamentos são meus mesmo, objeto da minha racionalidade, e daí sou presa fácil das minhas vozes interiores.
Volto ao ponto que destaquei acima. A linha é tênue.
Usando meu exemplo.
Flexibilizar um dia meu de treino, significa que estou procrastinando, cedendo ao impulso de falar mas não fazer, o que até se explica pela neurociência também, pois o cérebro quer poupar energia, uma vez que apesar de representar em torno de 2% de nossa massa corporal, demanda 25% de nossa energia.
Ou por outro lado, flexibilizar meu dia de treino é importante, é um exercício de equilíbrio, uma parada às vezes necessária, que não pode seguir a um esquema rígido que não tenha uma função, mas que seja mera resposta de um pensamento automático gerado pelo meu subconsciente.
Nosso cérebro tem um preguiçoso e um ditador, em constante disputa.
Nós estamos no meio deste campo de batalha.
Podemos escolher ficar à mercê de ambos, ou conhecer e dominar nossos inimigos, e então tomarmos as rédeas de nossos pensamentos, decisões, ações, comportamentos e resultados.
Esta semana, apesar de ter começado muito incomodado, acreditando que meu cérebro preguiçoso estava tomando espaço, entendi hoje que não, e que quem estava realmente me incomodando com estas ideias era meu cérebro ditador, aquele que tem algum registro interno, em uma camada bem profunda, de que um dia sem treino me aproximará da minha vida anterior, e colocar minha vida em risco.
Fracassando para ter sucesso: segredos de uma vida livre.
Meu pensamento ao longo da semana era de estar falhando.
Mas eu consegui ler tudo que estava acontecendo, e me permiti a flexibilidade que neste momento estava sendo benéfica.
Fracassei mas tive sucesso.
Porque neste caso, fracassar era a coisa certa.
E se você quer ter uma vida livre, tem de dominar a única coisa que está ao seu alcance, seus pensamentos, tem de identificar quais são realmente seus, e quais são das versões preguiçoso e ditador do seu cérebro.
Eu termino a semana em paz com meus dois dias de treino perdidos, e outro dia com treino encurtado.
Meu fracasso foi meu sucesso.
Agora sou livre!