Começo esta carta dividindo uma situação minha, algo que estou enfrentando neste exato momento, relacionado a este viés cognitivo.
Abro um parênteses, somente para esclarecer, ainda que de forma bem simples, o que é um viés cognitivo.
Viés cognitivo é um tipo de erro de pensamento que nos leva a tomar decisões ou formar julgamentos de maneira irracional ou distorcida. São “atalhos” mentais que nosso cérebro usa para simplificar a tomada de decisões, mas que muitas vezes nos fazem interpretar as informações de forma incorreta ou tomar decisões menos acertadas.
Fecho parênteses, volto ao meu momento.
Estou inscrito para a prova do Fodaxman Solo.5, que acontecerá em 28/09/2024. Eu já fiz esta prova no ano de 2023, faz parte do circuito mundial conhecido como XTri, triatlo extremo, realizado em condições adversas da natureza. No caso do Fodaxman a prova acontece na serra catarinense, se iniciando na barragem em Siderópolis (2.000m de natação), passando por 88km de ciclismo (que termina com a subida dos 17km da Serra do Rio do Rastro), e finaliza com 22km de corrida no parque eólico, no topo da serra.
Me inscrevi para a prova deste ano logo após ter concluído a prova no ano de 2023.
Mas passado um ano inteiro, muita coisa aconteceu, surgiram novos projetos, novas ideias, novos caminhos, novos desafios, e quando me dei conta, meu coração não estava mais lá, eu não queria mais aquele desafio, passar por ele de novo, não seria divertido como foi.
Aqui começo a abordar o viés do custo irrecuperável, pois a decisão que tomei não é o que normalmente fazemos. Costumamos nos sentir presos a uma decisão inicial, sentindo que não podemos mudar o rumo, tomar outro caminho.
A primeira razão de não mudarmos uma decisão, sinto que é o próprio ego, pois nos avaliamos muito a partir da visão que os outros tem de nós. Portanto, qualquer desistência, qualquer mudança de rumo, pode ser vista pelos outros como sinal de fraqueza, indecisão, insegurança.
E temos medo disso. Medo do julgamento dos outros.
Então muitas vezes nos abraçamos em uma decisão, mesmo que não faça mais sentido para nós, já não nos deixe felizes, não contribua positivamente.
E aqui nem estou falando de algo ruim, eu amo triatlo, a prova é linda, a vibração do lugar e dos atletas é demais.
Entenda, as coisas podem continuar sendo incríveis externamente, mas por dentro você mudou, é você quem está diferente, algo que pode ser incrível, já não tem o mesmo sentido para você.
Mas aqui já fica outro alerta importante, você precisa olhar para dentro de si, tem de se ouvir, saber o que é realmente importante para você, do contrário, vai acabar tomando decisões baseadas no ego mesmo, que em última análise, se trata de uma decisão baseada no medo do julgamento, é uma decisão baseada nos outros.
Quando suas ações se baseiam nos outros, isto é um grande problema, pois quem colhe os resultados é você mesmo, não os outros.
Ao fazer algo que não quer, se motiva pelo medo, faz o que os outros querem, e obtem um resultado indesejado, que você mesmo não queria mais.
Mais uma bela fórmula para infelicidade não acha? Tenho ensinado algumas nas minhas cartas. Acompanha que você vai aprender muito do que não fazer. Como eu sei disso? Porque fiz muitas destas coisas, quebrei a cara, e agora estou aqui te alertando.
Aprender com os erros é ótimo, aprender com os erros dos outros melhor ainda, encurta caminho.
Vem comigo pelos atalhos.
Vamos mais fundo no viés do custo irrecuperável. Tenho certeza que você toma muitas decisões baseadas nele, a partir de um erro cognitivo de julgamento.
Não sei o seu caso específico. Mas vamos a alguns exemplos.
Relacionamento. Você está há muitos anos investindo em um relacionamento, sente que não está dando certo, não está mais feliz, parece que realmente não é a pessoa certa. Mas daí vem aquele pensamento “eu já investi tantos anos neste relacionamento, já estamos há tanto tempo juntos, melhor continuar tentando fazer dar certo”.
Pegou? A base da decisão, conforme o exemplo, foi o tempo que você já investiu.
Isto acontece também com negócios. Muitas vezes você abriu uma empresa, um negócio, e ele não está dando o retorno, você já fez todos ajustes possíveis, mas aquele negócio se mostra não ser mesmo viável, mas daí você diz para si mesmo “vou ter que fazer dar certo, já investi muito tempo e dinheiro, ao menos vou ter que recuperar a grana que já investi, não posso amargar este prejuízo”.
Agora piorou. A base da decisão não é somente o tempo, passa a ser também o dinheiro que você investiu, você quer recuperar ele em um negócio que você mesmo está vendo ser inviável.
Último exemplo, investimentos. Você comprou as ações da empresa “X” (”X” aqui é somente um exemplo, não me refiro à rede social do Elon Musk), e ela despencou, você perdeu dinheiro com este investimento até o momento, mas daí lá vem de novo o pensamento “perdi muito dinheiro com estas ações, não posso amargar este prejuízo, vou ter que recuperar o investimento, vou manter esta ação ao menos até voltar ao preço original pelo qual comprei”.
E sabe o que acontece nestes casos? Muitas das vezes o relacionamento não melhora, o negócio continua dando prejuízo, e as ações não se recuperam até o patamar original.
E isto pode ir acontecendo ao longo de meses e anos, e ainda assim você não recua, se mantem abraçado na sua decisão, pois entende que tem de recuperar estes “prejuízos”.
Por que será que o nome do viés é exatamente “custo irrecuperável”?
Você já ouviu aquela frase: “O primeiro prejuízo é sempre o menor”?
Rápida explicação técnica, simplificada, do que é o viés do custo irrecuperável.
Esse viés cognitivo ocorre quando uma pessoa continua a investir tempo, dinheiro ou esforço em uma determinada opção, mesmo que ela não seja mais a melhor escolha, simplesmente porque já investiu muito nessa direção. Dito de outra forma, em vez de avaliar a situação com base nos benefícios futuros ou nas perspectivas atuais, a pessoa se sente compelida a continuar para “recuperar” o que já foi investido, mesmo que isso signifique persistir em uma decisão insensata.
Voltemos ao Fodaxman 2024. Eu já paguei o valor da inscrição, lá em 2023, este é um custo irrecuperável, não volta mais, está claro? Talvez eu falando em meio a esta carta esteja clara, mas no dia a dia não fica tão claro para nós, caímos no viés e acreditamos que o custo pode ser recuperado de alguma forma, e partimos para decisões insensatas.
No meu caso, como já contei a vocês, novos desafios, projetos e ideias me apontaram para rumos diferentes, incompatíveis com realizar a prova este ano, usei o termo “meu coração não estava mais lá”, e não está mesmo, se for competir, não sentirei o prazer e felicidade que senti em 2023.
Fazer a prova seria me mover por este viés, simplesmente baseado em recuperar o dinheiro que paguei. Mas de novo, este eu não recupero mais, este dinheiro não volta para mim, é irrecuperável. Mas você poderia pensar, o dinheiro não volta, mas você aproveita a prova, já pagou mesmo.
Este é o ponto, isso que o viés faz com a sua decisão. A torna irracional.
Porque eu não vou recuperar o dinheiro por aproveitar fazer algo que que eu não quero mais fazer. Já tenho o dissabor do dinheiro que não recupero, e para compensar, vou agora somar um novo dissabor de fazer algo que não quero mais.
Entendem? Simplesmente não faz sentido!
Vou retomar o exemplo das ações da empresa “X”, pois em uma aula de um curso de finanças (não lembro qual, nem quem disse), um gestor de fundos falou algo que realmente abriu minha mente. Vou traduzir com as minhas palavras o ensinamento dele.
Ele estava falando exatamente sobre este viés, e disse que tem um antídoto para ele. Todos os dias, quando chega em seu escritório, ele analisa todas as posições de investimento que ele gere no fundo, e se pergunta “Eu compraria estas ações hoje?”, e ele diz que para responder ele esquece do passado, não importa o que ele já fez, não importa o tempo já investido, nem o preço pelo qual ele comprou as ações e possível perda que elas carreguem. Se a resposta é sim, se naquele dia ele compraria de novo, ele mantem, agora, se a resposta é não, se naquele dia ele não compraria, então ele vende e desfaz a posição, sem se preocupar com custos já sofridos.
E ele explica, dizendo que desta forma a decisão é sempre racional, pois ele verifica a cada dia se tomaria a decisão de comprar aquela ação, ignorando custos passados, evitando o viés.
E quanto às perdas, como ele lida?
A resposta dele é simples e poderosa. O dinheiro não tem nome, o que ele perdeu com a ação “X”, ele pode recuperar através da ação “Z”.
Ficou claro?
Se a ação “X” não está mostrando potencial de se recuperar, ele vende e compra a ação “Z”que está se valorizando. Ele não precisa recuperar o dinheiro com uma ação específica, ele precisa somente fazer o dinheiro crescer.
Ele vence o viés assim.
Ele sabe que precisa ter o resultado que ele busca, não importa o meio, assim ele não fica preso em algo específico que claramente só aumenta os custos irrecuperáveis.
O mesmo é em qualquer área da vida.
Temos que saber o que desejamos, o que queremos, o que estamos buscando.
Com base nisso tomamos decisões, e seguimos um caminho.
Mas se este caminho não está mais nos levando para onde queremos, não podemos permanecer no caminho simplesmente porque já investimos algo nele.
O que já investimos em um caminho tá investido, é irrecuperável, o que precisamos é achar o novo caminho, que continuará nos levando ao resultado desejado.
Pense nisso ao tomar decisões de hoje em diante.
Pense somente no exato instante do hoje.
Você entraria hoje neste relacionamento?
Você entraria hoje neste negócio?
Você compraria hoje estas ações?
Sempre que a reposta for não, esqueça os custos, eles são irrecuperáveis.
Dinheiro, felicidade, propósito, eles não tem nome gravados neles, você pode os obter por outros caminhos, outro relacionamento, outro negócio, outro investimento.
E o Fodaxman? Este ano não era para ser ele, eu não me inscreveria hoje, portanto, não vou seguir este caminho.
O que eu faria hoje?
Já fiz.
Maratona de Porto Alegre, aí vou eu, dia 29/09 estarei percorrenddo os 42 quilômetros pelas ruas de Porto Alegre.
Este novo desafio fez meu olho brilhar.
O viés do custo irrecuperável foi vencido por aqui.
E por aí?