Ontem tomei um café com um amigo de infância, o Guilherme, foi muito legal, pois ele não está morando atualmente aqui em Porto Alegre, nem no estado, ele está morando no Espírito Santo.
É sempre legal encontrar amigos, mas melhor ainda quando surge uma oportunidade destas, de conseguir encontrar alguém que está longe.
Abrindo um parêntese, já percebeu como acabamos encontrando pouco amigos próximos? Isto me remete àquela velha ideia de que valorizamos algo quando perdemos, quando está perto é normal.
O que quero falar hoje tem a ver com isso também, mas por enquanto, fechemos o parêntese.
O papo foi legal demais, nos atualizamos cada um da vida do outro, celebramos o momento de cada um, com tantas coisas legais acontecendo, ele experimentando morar em uma nova cidade, eu envolvido em novos projetos após uma grande transição de vida e de carreira.
Ao atualizar ele da minha jornada, mais uma vez expus o que já contei muitas vezes no último ano, como derrubei tantos medos e passei a acreditar mais em mim, e mais que isso, como me permiti viver o que realmente quero, o que mais faz sentido para mim, cada vez menos preocupado com o que pensam as pessoas a minha volta.
Mas nem sempre foi assim, e nem falo de muito tempo atrás, olha como alguns medos, disfarçados de orgulho e vergonha podem nos limitar (talvez você veja paralelos em comportamentos seus).
Em 2022 eu deixei os meus negócios (escritório de advocacia e empresa de consultoria econômico-financeira), e resolvi entrar em período sabático.
Mas o prédio que eu morava, ficava em uma complexo juntamente com dois prédios comerciais, e um pequeno mall ligando os prédios, onde ficam restaurantes, lanchonetes e cafés.
Eu almoçava neste mall, por evidente comodidade. Estava em casa pela parte da manhã, então vestia bermuda e camiseta, ou moletom, algo assim.
Mas e quando descia para almoçar? Acreditem, eu vestia uma calça jeans, e colocava uma camisa (ainda que fora das calças, ao menos isso). E sabem por que eu fazia isso? Porque nos prédios comerciais do complexo tem muitos advogados, meus ex-colegas de profissão, muitos conhecidos.
Exato. Era um medo disfarçado de vergonha, orgulho. Afinal de contas, o que os outros pensariam de mim? O que falariam?
Perceberam que bobagem? Ou talvez até tenham achado a atitude sensata, então talvez seja hora de você mesmo fazer uma reavaliação, de o quanto está limitado pelo próprio medo.
O ego comanda todo este medo e vergonha, não queremos ser julgados, não queremos ser rejeitados, queremos ser admirados, pois acabamos não gerando nossa imagem a partir de dentro, mas a partir de como os outros nos vêem.
Deixa eu organizar os pensamentos até aqui, pois eu vou longe e posso, eventualmente, me perder nos pensamentos e na escrita.
Até aqui procurei introduzir as ideias de que não damos o devido valor para algo que está em nossa mão, e como medos nos limitam, nos impedem de irmos em frente e realizar aquilo que realmente queremos.
Agora posso avançar.
Hoje cedo, na minha leitura da Bíblia, passei pela “Parábola dos Talentos” (em Mateus 25:14). Vou evitar transcrever, mas tentar passar um breve resumo. Jesus está dando exemplos do reino do céu, e utiliza a figura de um homem que entregou bens a seus servos, a um deu cinco talentos (moedas gregas de grande valor), a outro dois, e a outro um, a cada servo conforme suas habilidades, e foi viajar. Quando voltou da viagem, buscou contas junto ao servos, o que recebera cinco talentos, devolveu estes acrescido de outros cinco que conseguiu ganhar; o que recebera dois talentos, devolveu estes acrescidos de outros dois que conseguiu ganhar; então chegou o que recebeu um talento, e este disse que sabendo que o senhor era um homem duro, receoso escondeu na terra o talento, e devolvia agora somente aquele que recebera, este é o único repreendido pelo senhor, que toma este talento dele, e o dá àquele que tinha dez talentos e encerra dizendo: “Porque a cada um que tiver será dado, e terá em abundância; mas ao que não tiver, será tomado até o que ele tem”.
Vamos trazer esta parábola, e o possível significado dela, para a nossa conversa desta carta.
Cada um de nós é único, tem talentos (no sentido de aptidões, capacidades) próprios, como dons recebidos de Deus. Você tem algo que somente você tem, mais ninguém. O talento de cada um de nós nos torna aptos a algo, e lá dentro sabemos disso, sentimos um chamado a servir em algum caminho, fazer alguma coisa na vida, a isto podemos chamar de propósito, que tanto se fala hoje em dia, como algo que pode dar mais sentido para a nossa vida.
E isto faz total sentido. Um árvore tem um talento, dar frutos. A árvore não se pergunta se deve dar frutos, ou tentar ser um pássaro e sair voando. A árvore segue seu talento, seu chamado, seu propósito, e dá frutos.
Mas nós, que temos a consciência, a razão, que deveria nos dar uma vantagem competitiva na natureza, acaba nos atrapalhando, pois através desta razão nós criamos uma autoimagem, a partir do qual nosso ego age, portanto deixamos de seguir nossos próprios talentos e propósito, pois passamos a nos preocupar mais com o que os outros vão pensar de nós.
Voltemos ao nosso tema central para vermos a conexão. Não damos o devido valor para aquilo que temos, e o medo nos limita a fazermos o que realmente queremos.
Recebemos um talento, um dom, temos um propósito, conforme a parábola, e deveríamos valorizar isto, atender ao chamado, fazer o que nascemos para fazer, pois isto coincide com aquilo que vem de dentro, que naturalmente se manifesta pelo nosso querer, apontando para aquele caminho que gostaríamos de seguir.
Mas não damos valor ao nosso talento, e também temos medo de usá-lo, pois isto implicaria sermos diferentes dos outros (lembra-se, cada um é único), então “enterramos” nosso talento, receosos, pois a vida é dura, nos obriga a tomarmos caminhos para nos amoldar às expectativas que todos tem de nós.
E voltando lá ao começo, quando disse que acabamos somente valorizando amigos quando estão longe. Assim como com nosso talento, somente vamos nos arrepender de não tê-lo usado quando o Senhor voltar e nos tomar o nosso único talento, que não usamos por medo, preferimos deixar escondido por toda uma vida.
Olhe para dentro de si, escute sua voz.
Desenterre seu talento, use ele, multiplique, “Porque a cada um que tiver será dado, e terá em abundância; mas ao que não tiver, será tomado até o que ele tem”.