Coragem e a régua social: Qual a diferença entre um gênio e um maluco?

Coragem pode ser sobre ganhar, perder, ou somente um ponto de vista.

Duas frases que já ouvi, na verdade resumo nas duas frases, mas elas simbolizam sentimentos que já percebi na minha volta, após minha transição de vida e de carreira.

Mas vamos às frases:

“Admiro sua coragem, por ter deixado tudo para trás e recomeçar”.

“Vai acabar perdendo tudo”.

O que eu estava perdendo, o que eu estava ganhando? Mas qual a régua de medida?

Costumo ouvir uma frase, não direcionada para mim, uma frase que ouço pessoas dizendo, mais ou menos assim: “Qual a diferença entre um gênio e um maluco? O tempo (ou o resultado)”.

Você percebe o que tem por trás de frases como esta? Há uma ideia pré concebida do que seja o sucesso, admitindo-se que somente o resultado vai classificar alguém como gênio ou maluco. Mas quer dizer que se admite que ambos fazem a mesma coisa, desafiam o status quo, são autênticos e originais, perseguem o que acreditam. A única diferença seria uma régua social que rotula o que é um resultado de sucesso e o que não é.

E a partir desta diferença meramente social, cultural, uma pessoa recebe os louros da glória sendo considerada um gênio. E a outra pessoa recebe a alcunha de maluco, somente porque o resultado não agradou uma maioria que definiu a regra da medida.

Vamos voltar às minhas frases e seu contexto.

Quando comecei a me envolver mais com o esporte, o triatlo, e passei a buscar mais equilíbrio de vida, cuidar mais de minha saúde física e mental, equilibra melhor tudo, até mesmo tirando espaços de trabalho em favor de ter mais tempo para mim e minha saúde, acabei me deparando com esta frase: “Vai acabar perdendo tudo”.

Na época a pergunta até pode ter me abalado um pouco, pois não tinha ainda um nível de autoconhecimento e de inteligência emocional muito aprimorados.

Mas com o tempo, fui entendo melhor meus valores, minha relação com a vida, com o tempo, e daí me questionei, do que estavam falando, que TUDO que eu iria acabar perdendo?

Na verdade, o TUDO era o desequilíbrio de uma vida criada em torno do trabalho, uma disponibilidade 24/7, que rendia frutos financeiros e reconhecimento social, mas cobrava o preço de minha saúde e felicidade, quase me causando um infarto.

Passei a refletir na régua que nos mede. Porque o TUDO que estavam preocupados que eu perderia era um caminho certeiro (alertado pelo meu cardiologista) rumo a um infarto, problemas de depressão, entre outros. TUDO que eu estava perdendo era uma doença cardiovascular por uma vida desequilibrada entregue ao trabalho.

Mas quem dizia a frase enxergava o que? A posição social e o dinheiro que eu poderia estar perdendo por abandonar uma carreira.

Bom, esta frase já deixo para trás facilmente, porque se era isto mesmo, o melhor que tinha a fazer era perder, pois esta régua não era mais a minha.

Acordei. Ao acordar, a régua não me media mais.

Agora vamos para a segunda frase, que tem uma conotação positiva, mas vamos investigar bem, e novamente veremos que a régua social e cultural é implacável.

“Admiro sua coragem, por ter deixado tudo para trás e recomeçar”. Minha decisão e ação no sentido de abandonar uma vida desequilibrada e com falta de propósito foi, e continua sendo, vista como um ato de extrema coragem. Claro que não renego isso, reconheço que houve coragem, afinal de contas tinha uma carreira de 20 anos consolidada.

Mas a questão da coragem também envolve a régua pré concebida, que mede o caminho seguro e certo por aquele que nos traz reconhecimento social e dinheiro, e qualquer outro é visto como algo muito ousado, como um grande ato de coragem.

Mas vamos pensar de outra forma.

Eu estava vivendo uma vida com reconhecimento social, dinheiro, mas infeliz, com sensação de vazio, de falta de propósito, e pior, adoecendo meu corpo e minha mente, me colocando próximo de doenças sérias, ou talvez até mesmo da morte. E a coragem para encarar tudo isso?

Porque não falamos da coragem que é abrir mão da vida, nossa única chance aqui, abrir mão do tempo, único bem que temos efetivamente limitado (são somente alguns anos a nossa experiência vivos), e abrir mão disso tudo em prol de meras convenções culturais, fama e dinheiro.

Vamos pensar neles. A fama, o reconhecimento social, se tratam da admiração de terceiros, de estranhos, que normalmente nem amamos. E normalmente para buscar esta fama sacrificamos tempo de qualidade com quem amamos. Ato de coragem, viver sacrificando tempo com quem amamos para dar preferência a buscar reconhecimento de estranhos, ou até pior, normalmente queremos reconhecimento de pessoas que nem gostamos.

Agora o dinheiro. Mais uma convenção social, se trata meramente em um sistema de troca de bens. Ele deve servir a nós, para buscarmos aquilo que realmente nos faz feliz. Mas na prática não fazemos assim, acabamos sendo usados pelo dinheiro, abrimos mão de tempo com pessoas que amamos, deixamos de fazer o que gostamos, trabalhamos com pessoas que não nos agrada, fazemos coisas que não nos trazem qualquer contentamento, tudo em troca de dinheiro. E o que é pior, normalmente queremos mais dinheiro, para comprar mais coisas, exatamente para impressionar aquelas pessoas estranhas ou que não gostamos.

Que coragem é abrir mão de tempo de qualidade com quem amamos, agradar aqueles que realmente importam para nós, para vender nosso tempo para ter dinheiro e impressionar pessoas que nem mesmo gostamos.

Onde está a coragem?

Comigo? Por buscar uma vida autêntica, preservando minha saúde e curtindo cada momento com aqueles que amo?

Ou a coragem está com as pessoas que me consideram corajoso, mas que seguem sacrificando sua saúde e tempo com pessoas que amam em prol de atender uma régua social?

Como eu alertei no começo, a coragem se trata de ganhar algo, perder algo, ou é somente um ponto de vista?

Você pode fazer sua própria reflexão.

Mas a régua social está estabelecida, sabemos os valores que ela prega.

Neste caso, se não pudermos mudar o coletivo, ao menos podemos mudar nós mesmos.

Crie sua própria régua, a medida já está dentro de você.

Depois que refletir eu te renovo a pergunta, mas agora você pode construir sua própria resposta.

Qual a diferença entre um gênio e um maluco?

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