Trocamos o mito do herói pelo mito do homem comum. O que ganhamos com isso?
Breve introdução antes do tema.
Hoje eu estava ouvindo um de meus podcasts favoritos do momento, com Morgan Housel, e ele falava sobre livros que impactaram sua vida, e o quanto, voltando a eles, muitos anos depois, verifica que o livro nem parece mais tão incrível, parece ser somente razoável. Então Morgan fala como a ideia que temos que um livro foi transformador, mudou o rumo da nossa vida, do nosso pensamento, muitas vezes se deve mais ao nosso momento, quando o ensinamento daquele livro específico parece se encaixar como a peça de um quebra-cabeça, que estava faltando.
Eu concordo plenamente, e estou começando a revisitar os livros que considero terem sido transformadores na minha vida e meu pensamento.
Feita a introdução, a ideia que me veio hoje não é de um livro que estou revisando, mas que estou lendo pela primeira vez, mas ele me traz uma ideia que não é inédita para mim, já vi a mesma linha de pensamento de outros autores.
O livro que estou lendo (um deles, porque na verdade mesmo, estou lendo 8 livros ao mesmo tempo, sim, eu gosto de ir misturando os assuntos) é “O Herói de Mil Faces”, de Joseph Campbell, no qual ele trata sobre a famosa “Jornada do Herói”, uma estrutura típica padrão que é replicada em mitos, histórias, filmes.
Em determinado ponto, o autor está falando sobre os mitos, e sobre ritos de passagens utilizados em culturas antigas, para determinar, por exemplo, quando um menino se torna um homem, dentre diversas outras aplicações dos ritos de passagem, que tendem a encerrar um ciclo e levar o indivíduo a um próximo ciclo.
Vou transcrever o trecho, para ficar mais clara a ideia:
A função primária da mitologia e dos ritos sempre foi a de fornecer os símbolos que levam o espírito humano a avançar, opondo-se àquelas outras fantasias humanas constantes que tendem a levá-lo para trás (…) Nos Estados Unidos há até um pathos de ênfase invertida: o alvo não é envelhecer, mas permanecer jovem; não é amadurecer e afastar-se de Mamãe, mas apegar-se a ela.
Estamos abrindo mão da evolução? Em troca de que? De conforto puro e simples?
Hoje mesmo eu escrevi em um post nas redes sociais:
Não tememos a morte, mas sim viver em vão.
E acredito que as coisas estão relacionadas.
Os mitos, as histórias mitológicas, a jornada do herói, sempre mostra uma evolução, o crescimento do herói, em busca de um bem maior, não somente para atender seus caprichos e desejos pessoais, este pode até ser o início da história do herói, mas daí então ele recebe um chamado, parte para a aventura, se desenvolve no caminho, faz aliados, se torna mais forte, até que consegue derrotar o grande inimigo, e pode retornar para casa, mas agora transformado, ele não é mais o mesmo, e conseguiu uma vitória que representou um bem para muitos.
Os heróis dos mitos são estas figuras, que ainda que tenham algumas falhas, são em essência virtuosos, e munidos de coragem enfrentam os desafios, e não temem a viagem, sabem que serão diferentes, que nunca voltarão a ser o ser comum do início da jornada.
Mas o que fizemos com estes mitos e heróis?
Eles tem espaço, mas cada vez menor.
Por que isso?
Porque os heróis nos assustam, mostram nossa fraqueza, nossa falta de virtude, nosso desejo por prazer e conforto, nosso individualismo acima de uma compaixão e amor pelos outros.
O herói e os mitos “jogam em nossa cara” a síndrome de Peter Pan que acomete as pessoas de forma geral, que não assumem a responsabilidade das próprias vidas, e preferem se colocar como vítimas, agindo como crianças que não querem crescer, sempre jogando nas costas do mundo a obrigação de lhes entregar tudo “de bandeja”.
E dessa forma, vamos baixando os padrões, vamos humanizando os heróis.
Cada vez mais me deparo com histórias de personagens, que não vou ousar chamar de heróis, que parecem ser uma versão corrompida, cheios de falhas, que demonstram estar centrados em si mesmo. Quando o personagem central não é o vilão mesmo, o que tem se tornado muito comum.
E por que queremos isso? Queremos humanizar o herói, e fazemos isso o “arrastando para baixo”, tirando suas virtudes para que possamos nos equiparar a ele.
Percebeu o absurdo?
A função do mito, do herói, é exatamente demonstra virtude, ser distante das pessoas comuns, porque o objetivo principal não é que as pessoas se identifiquem, o objetivo principal é que as pessoas se inspirem, e busquem ser uma melhor versão, aspirem a ser como o herói.
Vamos ao herói mais conhecido da história do mundo? Jesus.
Jesus é todo virtude, é fonte de inspiração, sabemos que não seremos como Jesus, mas assim deve ser, ele não deve ser humanizado, nós é que devemos nos elevar, através do modelo, da inspiração.
Ouvi o Walter Longo falar algo parecido em um podcast. Ele estava falando da mídia, das propagandas, o quanto mudaram nas últimas décadas. E ele ressaltava como as propagandas eram inspiracionais, o herói caubói, a família perfeita e sorridente do café da manhã, a ideia era mostrar um cenário diferente da realidade, acima dela, para servir como modelo a ser buscado (não vou entrar no mérito se as propagandas levavam a consumir um produto virtuoso, esta é outra questão). Mas ele também apontava como as propagandas foram atendendo ao desejo das pessoas de se identificar, se ver na propaganda, e para isso, esta deveria retratar situações normais, comuns.
E assim, em toda parte vamos acabando com todo e qualquer modelo acima de nós, não queremos ser inspirados a buscar nossa melhor versão, queremos apenas nos identificar.
Abandonamos a jornada do herói, somente queremos ter certeza que todos vivem a mesma vida comum e sem brilho.
Como eu disse, o tema não é novo para mim, mas com certeza este já é um dos grandes livros que li na vida, pois em seu começo já me deixa um recado claro, o quanto as pessoas estão destruindo a jornada do herói, para não serem ameaçadas a terem de crescer.
Por isso as pessoas acabam temendo a morte, porque já morreram em vida, não querem ter aspirações, não querem buscar crescimento, sua melhor versão, mas então com o que se ocuparão toda uma vida?
Matamos os heróis para viver na zona de conforto.
Queremos identificação.
Quando deveríamos buscar inspiração.
Cada um pode fazer sua parte.
Leia um livro incrível.
Busque inspiração
Crie sua própria jornada do herói.