Neil Gaiman e o homem nu: Quebrando o Paradoxo de autenticidade e cópia.

Autenticidade e cópia. Paradoxo?

Definições de paradoxo, conforme o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2024, https://dicionario.priberam.org/paradoxo.: 1. Opinião contrária à comum; 2. Situação ou afirmação que contém uma contradição ou uma falta de lógica; 3. Afirmação ou ideia que contraria a razão ou o senso comum.

A partir destas definições, considero haver um paradoxo das pessoas, na avaliação de autenticidade e cópia, pois parece haver uma contradição na valoração que é dada, conforme o ângulo de visão e aplicação.

Explico.

Pense naquele tênis de marca que você está “namorando” há meses para comprar. Você quer o original, o autêntico, ou aceita comprar qualquer réplica, cópia?

O senso comum indica que você se importa sim, você quer o tênis original, o autêntico, você quer sentir a felicidade de deter um item que te dá uma personalidade diferenciada, nos diferenciamos a partir das marcas que ostentamos, isso faz parte do nosso sistema de pontuação social.

Sim, temos uma clara hierarquia social. Você é mais importante na medida que faz mais pontos, e menos importante ao fazer menos pontos. Objetos “de marca”, de luxo, estes marcam vários pontos nesta escala social. Claro, se você tiver um item autêntico. A cópia não significa nÃo pontuar, ela ainda pode gerar pontuação negativa, pelo embaraço de você estar tentando se diferenciar a partir de uma “farsa”.

Mas e o paradoxo?

Porque quando o “objeto” de avaliação somos nós mesmos, invertemos o pensamento.

Talvez você tenha discordado de plano. Vamos vamos refletir um pouco.

Vou me usar de exemplo.

Em torno de 2004, 2005, eu tinha deixado o emprego como advogado no primeiro lugar que trabalhei, empolgado após ler o livro “Pai Rico, Pai Pobre”, convencido em empreender na área da advocacia.

Não posso dizer que foi um sucesso explosivo, mas o início corria como muitos negócios, estava começando devagar. Mas o mais importante, era somente eu, então estava dando a minha cara para o negócio, era 100% autêntico, eu dizia para onde ir. Tá, podemos até considerar que não era 100% autêntico, pois não era uma inovação disruptiva, eu continuava atuando como advogado, mas o aspecto de originalidade a autenticidade estava no empreendendorismo, que já é uma disrupção em relação ao modelo adotado pela esmagadora maioria, que é um emprego formal.

Resolvi conversar com alguns advogados já estabelecidos, para poder pegar alguns conselhos, e seguir construindo meu próprio caminho.

Mas um dos advogados que procurei era sócio de um grande escritório aqui de Porto Alegre, um escritório com sede em São Paulo. Marquei uma conversa, mas quando cheguei, o sócio com quem eu me reuniria, não estava presente, mas sim outros dois advogados, coordenadores de área.

O que era para ser minha conversa com o sócio, acabou sendo uma entrevista de emprego com advogados coordenadores do escritório. Acredito que a intenção do sócio tenha sido a melhor, deve ter interpretado que eu buscava emprego, e de pronto me conseguiu a entrevista.

Terminada a entrevista, fui para casa. Mas no final do mesmo dia veio o teste do paradoxo. Um dos coordenadores me ligou me convidando para ir trabalhar no escritório. Pedi para pensar até o outro dia e dar a resposta, pois o paradoxo gritava na minha mente. Claro que eu nem fazia ideia do paradoxo, eu só sabia que estava confuso.

Meu coração ou algo dentro de mim queria perseguir aquele sonho de empreender na advocacia, eu ainda estava no modo energia total empolgado com o livro “Pai Rico, Pai Pobre”, eu queria ser autêntico, criar meu próprio caminho de originalidade.

Mas daí o cérebro racional entrou em cena, projetando diversos cenários de pró e contra, estabelecendo uma reunião de vozes e argumentos dentro da minha cabeça. Surgiram argumentos usuais, o emprego me daria mais estabilidade financeira, a possibilidade de carreira em um grande escritório de advocacia, possibilidade de reconhecimento por parte dos meus colegas, pois meu desejo de empreender me levaria de volta para um negócio que ainda era tocado do meu apartamento, com uma receita completamente variável, baixa ainda na época. Com a dúvida persistindo, novos argumentos, no sentido de que se eu não gostasse, poderia ainda sair do escritório e voltar a tentar empreender.

O argumento final do meu cérebro racional, querendo me levar para o emprego no escritório “o que você tem a perder?”

Eu acreditei no meu cérebro racional, não tinha nada a perder.

Mas eu tinha muito a perder. Minha autenticidade, meu desejo e energia para buscar originalidade na vida.

Viu o paradoxo? A escala de pontuação social me levou a abandonar a autenticidade e ser uma cópia, mais um advogado empregado de um grande escritório de advocacia, fazendo o mesmo trabalho que milhares, da mesma forma, todos entrando no mesmo horário, almoçando nos mesmo lugares, saindo no mesmo horário, retornando no outro dia, e segue…uma vida copiada.

Este é o paradoxo.

Valorizamos itens autênticos, pois ao usar eles, nos reconhecemos como diferentes (ao menos diferentes diante de uma grande massa que não consegue acessar os mesmos itens), mas para fazer isso, abrimos mão de nossa própria autenticidade, nos tornamos cópias, nos resignamos a ser iguais a todo mundo.

Se isso não é um paradoxo, eu não entendi a definição do dicionário, e realmente não sei o que é um paradoxo.

Deixa eu repetir, com outras palavras.

Nós abrimos mão da autenticidade, viramos cópias, para nos sentirmos seguros que conseguiremos comprar itens que não sejam cópias, itens autênticos, pois daí então poderemos nos diferenciar por ostentar algo que nem todos tem.

Buscamos a autenticidade através de coisas, do consumo.

Para isso, abrimos mão de sermos uma pessoa autêntica.

Temos medo de sermos autênticos na vida, de sermos disruptivos, inovadores, empreendedores, pois para isso teremos de sacrificar nosso pertencimento, não seremos aceitos pela “tribo”, que rechaça os que são diferentes.

Eu lembro quando estava ainda tentando manter minha chama empreendedora acesa lá por 2004 e 2005, quando eu tinha em torno de 26 anos. A “tribo” me dizia que eu era inteligente, poderia conseguir um bom emprego, me dizia que é muito difícil ter um negócio próprio, me dizia que eu passaria muitas dificuldades se seguisse aquele caminho, me dizia que a faculdade de direito não me preparou para administrar um negócio, e dizia muito mais.

Quem é a “tribo”? Nossos pais, professores, amigos, todos à nossa volta. Eles querem que soframos? A maioria não, a maioria nos ama de verdade, e querem nosso bem, mas como eles viveram toda a vida na “tribo”, sendo cópias, é a vida que conhecem, todos buscam a segurança para si, e não querem que você sofra. Tá, mas eu disse que a maioria nos ama né? Sim, tem uma parte que teme que você tenha sucesso ao ser original, e o seu sucesso vai doer porque ele mesmo aceitou ser uma cópia.

Hoje estava ouvindo o podcast do Morgan Housel, não me recordo o episódio, e ele estava falando exatamente o quanto a ideia de pertencimento a “tribos” limita o pensamento e a originalidade pessoal, pois as “tribos” tem um conjunto de ideias, crenças e regras, e se você agir contra isso tudo, você se sente agindo contra si próprio, pois as ideias da tribo passam a ser as “suas ideias”. E ele comentava o quanto a preservação da originalidade depende que estejamos menos conectados com as “tribos”, ao menos intelectualmente.

Eu reconheço que não é fácil evitar este paradoxo, eu mesmo não consegui ali pelos idos de 2004 e 2005, e aceitei o emprego do grande escritório de advocacia, abandonei meu desejo por ser autêntico.

Meu desejo de autenticidade somente prevaleceu totalmente após quase 20 anos, quando então decidi deixar a advocacia corporativa para trás, um ambiente no qual me mantive como uma cópia por décadas. O paradoxo me venceu. O sistema de pontuação na escala social era o meu jogo.

Ao longo destas décadas, vivendo como cópia, comprei muitos itens autênticos para me sentir diferente.

Mas quando você se diferencia por coisas autênticas, por fora você pode se diferenciar, mas por dentro algo grita dentro de você: “Cópia!”

Nos últimos anos retomei meu sonho lá de 2004 e 2005, quase 20 anos depois retomei minha jornada de autenticidade, e hoje tenho um negócio que é chamado de “One Person Business”, um negócio que sou eu mesmo, fazendo aquilo que quero fazer, da forma que entendo melhor, e mais importante, sabendo claramente porquê estou fazendo.

Não quero passar no “mercado da vida” como uma cópia que tenta se fazer original, independente do que a pontuação da escala social diga, eu quero que o Universo me reconheça como autêntico, algo genuinamente original.

Claro que não é fácil romper o paradoxo, pois como alerta Morgan Housel, temos de nos separar da “tribo”, ao menos intelectualmente, pensarmos por nós mesmos, o que atrai certo nível de rejeição. É como voltar para o meu 2004 e 2005, os argumentos contra o que você quer fazer diferente surgirão, todos te apontarão muitos obstáculos, dificuldades, impossibilidades, estarão prontos para te apresentar todos os cenários desastrosos que podem ocorrer.

Você terá de se vulerabilizar na jornada, pois terá de expor o seu “eu autêntico”, que pensa diferente, terá de expor seu coração, sua alma, seus pensamentos originais, que ficarão disponíveis ao julgamento das outras pessoas.

Eu mesmo, recentemente, abraçando um novo caminho, mostrando meu verdadeiro eu, ouvi comentários de que eu poderia estar colocando tudo a perder, eu poderia perder tudo.

Eu realmente perdi. Na verdade perdi a habilidade de me disfarçar de cópia.

Decidi ser original, independente de isso expor meu eu interior a julgamento.

Em um podcast do Tim Ferris, hoje, ouvi uma frase de Neil Gaiman, que acredito possa fechar muito bem a reflexão de hoje.

“The moment that you feel that, just possibly, you’re walking down the street naked, exposing too much of your heart and your mind than what exists on the inside, showing too much of yourself, that’s the moment you may be starting to get it right.” Tradução livre: “O momento em que você sente que, possivelmente, está caminhando pela rua nu, expondo demais seu coração e sua mente, mostrando muito do que existe dentro de você, esse é o momento em que você pode estar começando a acertar.”

O autêntico, original, é diferente.

Se te olharem diferente, pode ser exatamente porque você está no caminho certo.

Quebre o paradoxo.

Seja autêntico.

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