O Erro de Descartes: Seu Pensamento Racional Pode Ser Apenas uma Marionete.

Vivemos a hegemonia do pensamento racional, quando na verdade ele pode ser somente uma marionete.

Quantas vezes você já refreou alguma decisão, por sentir que ela está sendo tomada por impulso, movida por uma emoção?

Eu, muitas vezes.

E o que costumamos fazer? É hora de acessarmos nosso poderoso pensamento racional, para que ele possa “colocar ordem na casa”.

O pensamento racional “entra em campo” e começa a fazer vários cálculos, construir argumentos poderosos, nos trazer exemplos de casos semelhantes, chegando até às famigeradas listas de prós e contras (tenho pavor delas).

Nosso coração despeja o sonho daquela viagem para a Europa no seu cérebro, você sente até o arrepio de emoção somente de pensar na viagem, você já se sente lá. Mas rapidamente você lembra de tudo que lhe ensinaram, a decisão final é sempre do cérebro racional, é como se fosse o “tutor responsável” sempre atento a conter o “adolescente rebelde” que é nosso emocional.

O pensamento racional começa a trabalhar. Vem a fase de argumentos: você não deveria tirar férias, seu chefe pode achar que você não é tão útil, você pode acabar desempregado, e como você vai conseguir outro emprego no mundo de hoje, e as contas, como vai pagar, e se for despejado de casa, o que fará com a sua família, para onde irão?

Meio trágico, né? Seu emocional tenta apelar, lembrando “mas são só 15 dias de férias, não tiro férias há 3 anos, e estou bem financeiramente para a viagem, e minha família toda sonha com ela”.

Mas o pensamento racional volta a atuar, ele não somente age como advogado de acusação, também faz as vezes de Juiz. Ele acusa e julga. A sentença que vai decretar que você não vai viajar é construída pela famigerada lista de prós e contras — é sempre um massacre. A lista de contras chega a cair da página de tantos itens, os prós parecem tão pequenos que somente com lupa para achar.

Parece aquele fatídico Brasil e Alemanha na Copa realizada no Brasil, quando você vê, 7×1, goleada dos contras e seu pensamento racional comemora mais uma decisão muito bem calculada, que impediu aqueles garotos de se sagrarem campeões (metáfora para o nosso emocional, que mais uma vez não teve chance).

O que você não percebe é que, enquanto o pensamento racional parece estar organizando tudo, os Sabotadores estão nos bastidores, controlando a narrativa com base em medo e insegurança. Vou citar o neurocientista Antonio Damasio:

“A razão pura não pode existir, porque nossas decisões estão inextricavelmente ligadas às emoções. Emoções são, em muitos casos, os guias para o comportamento racional.” (O Erro de Descartes)

O pensamento racional não é uma ilha, isolada em nosso cérebro, ele funciona de forma integrada com todo o resto, como todo o nosso corpo.

Portanto, o pensamento racional não age sozinho; ele vai estar associado a algum estado emocional, positivo ou negativo.

O pensamento racional não deveria barrar decisões emocionais, mas sim nos ajudar a filtrar que emoções estão envolvidas com o que queremos fazer (ou deixar de fazer). A função do pensamento racional deveria ser de um filtro mesmo, identificando se a ação pretendida tem um fundo emocional negativo, que pode estar atrelado a impulsos para atender meros desejos, ou a sentimentos de medo, culpa, ansiedade; ou se a ação tem fundo emocional positivo, que pode indicar ações motivadas por amor, solidariedade, empatia.

Na obra “Inteligência Positiva”, Shirzad Chamine introduz o conceito dos “Sabotadores”, que são padrões mentais negativos e inconscientes que afetam diretamente nossa forma de pensar e agir. Esses sabotadores — como o Crítico, o Hipervigilante, o Vítima, entre outros — podem dominar a mente racional, distorcendo nossa percepção e nos fazendo acreditar que estamos agindo de forma lógica, quando na verdade estamos sendo manipulados por emoções negativas, como o medo ou a insegurança.

O que é interessante no conceito de Chamine é que ele mostra como os Sabotadores trabalham nos bastidores, usando a razão para justificar comportamentos ou decisões baseados no medo, na dúvida ou na autocrítica excessiva. Ou seja, a mente racional está funcionando, mas de forma distorcida, com o objetivo de validar esses sabotadores emocionais.

Chamine também fala sobre o conceito de “Sábio”, que seria o lado positivo da mente, responsável por emoções e pensamentos construtivos, como a empatia, a criatividade e o foco. A chave, segundo ele, é fortalecer o Sábio para que ele possa neutralizar os sabotadores e permitir que a mente racional opere de forma alinhada com emoções positivas.

“Os sabotadores utilizam a mente racional como uma ferramenta para reforçar seus próprios padrões negativos. Eles fazem com que seus pensamentos pareçam racionais e lógicos, mas, na verdade, estão sendo motivados por medo e insegurança.” — Shirzad Chamine (Inteligência Positiva)

Voltando para o nosso exemplo.

Será que todo aquele trabalho de defesa e julgamento do pensamento racional, determinando o cancelamento da viagem, realmente se trata da melhor decisão, embasada em fatos e na realidade, ou será que se trata de um trabalho dos Sabotadores nos bastidores? Todos aqueles argumentos, que mais parecem uma “novela mexicana” com fim trágico, estão conectados com a realidade ou somente são uma resposta do medo, que pode estar conectada a alguma experiência passada traumática, ou mesmo ao condicionamento do ambiente?

Desconfie do poder e confiabilidade do seu pensamento racional.

Ele deve ser um filtro, para identificar se a emoção que joga uma ideia na sua cabeça vem do Sábio (emoções positivas) ou de algum Sabotador (emoção negativa).

O pensamento racional não é o julgador soberano, ele é apenas mais uma ferramenta de um complexo sistema que é o corpo humano.

“O homem mais poderoso é aquele que tem poder sobre si mesmo.” — Sêneca (Cartas a Lucílio)

Fique alerta.

O pensamento racional pode estar a serviço do Sábio ou do Sabotador.

O pensamento racional é sua ferramenta, não o comandante das suas ações.

Use o pensamento racional como filtro.

Detecte as emoções.

Não seja um escravo de paixões e emoções negativas, como o medo, agindo através do pensamento racional.

Domine seu próprio pensamento.

Emoções, como o amor, agradecem.

A emoção, como a viagem de férias, no nosso exemplo, pode parecer impulsiva, adolescente.

O amor é sempre jovem.

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