O ponto final que torna a frase memorável: a dádiva da mortalidade.

A vida talvez seja um presente do Universo para sonharmos acordados por um breve período de tempo da eternidade.

Postei esta frase nas redes sociais hoje. Ela me veio na madrugada, enquanto eu “sonhava dormindo”. Acordei pensando nesta frase, corri até a sala, peguei meu iPhone e escrevi a frase, antes que ela se apagasse definitivamente da minha memória.

Olho para a frase e fico refletindo. Sim, eu reflito sobre estas coisas, que talvez nem passem na sua cabeça. Mas eu sou assim mesmo. Já escondi quem eu era, vergonha, temor de ser julgado, mas mais recentemente o desejo de ser autêntico se apossou de mim, e agora prefiro ser eu mesmo. Finalmente sou feliz sendo eu mesmo.

Mas voltando à frase e minha reflexão ao pensar nela.

Se a vida é este sonho acordado, devo pensar que o final dela é o sono profundo (em oposição ao “acordado”), ou o despertar (em oposição ao “sonho”)?

Mas a frase deixa a ideia em aberto. O sonhar acordado pode terminar em um sono profundo ou em um despertar.

Sono profundo ou despertar, do que estamos falando? Da morte. Este é o final da nossa vida, da nossa breve participação na imensidão que é a eternidade.

Por coincidência, hoje, após ter me “caído” esta frase de madrugada, aleatoriamente fui ouvir um episódio do podcast da Mel Robbins, entrevistando Alua Arthur, e o tema era exatamente a morte, mas a partir da visão do quanto ela nos ensina a viver a vida, aproveitar a vida.

Falei “por coincidência”, mas quem me acompanha já sabe que, para mim, isto é uma manifestação da sincronicidade.

Interrompi o podcast ao saber que Alua Arthur tinha gravado um Ted Talks, e fui assistir este primeiro. Ouvindo o Ted Talk dela, ainda no começo, ela diz:

Death creates context to our lives. My entire life is leading up until that point. how we die creates the period at the the end of the sentence, but it is the period that makes it a sentence at all.

Tradução livre para o português:

A morte cria contexto para nossas vidas. Toda a minha vida está levando até aquele ponto. Como morremos cria o ponto final ao fim da frase, mas é o ponto final que faz com que ela seja uma frase, afinal.

Achei a citação poderosa, levando à reflexão sobre vida e morte. Tememos a morte, é natural, queremos viver, isto está programando em nosso código genético, a busca pela sobrevivência, além do amor que temos pela vida. Como tememos a morte, evitamos falar dela, “varremos para debaixo do tapete” o assunto.

Mas a morte é inevitável.

E não digo isso de uma forma mórbida, muito antes pelo contrário, digo de uma forma que nos acorde a viver da melhor forma possível, celebrar a vida.

E falar sobre a morte pode nos impactar fortemente pela vontade de viver bem exatamente pelo contraste. Quando focamos somente na nossa vida, parece que desvalorizamos nosso tempo, anos e anos sem realizar sonhos é algo aceitável, pois parece que acreditamos que ao não falar da morte não morreremos, então podemos desperdiçar todo tempo de vida.

Quando se reconhece a mortalidade, pelo contraste, daí podemos acordar para a urgência de viver, não sobreviver, viver mesmo, a melhor vida possível, entendendo nossa finitude e valorizando nosso pouco tempo de uma forma incrível, memorável.

Veja que a teoria do contraste é até uma das armas de persuasão do marketing.

Quando você apresenta um produto ou serviço ao lado de outra opção (geralmente uma que parece menos vantajosa), ele se torna automaticamente mais atraente. Um exemplo comum é o preço: ao exibir um produto mais caro ao lado de uma opção mais barata, a opção mais em conta parece uma “pechincha”. Já ao lado de um item ainda mais barato, o produto “intermediário” pode parecer uma escolha mais sensata e equilibrada.

O contraste nos leva a consumir, pode também nos levar a viver melhor.

Aprofundando o que Alua diz. Ela ressalta o quanto a morte dá contexto para nossas vidas, pois, na verdade, toda nossa vida está direcionada para a morte, que aparece como o ponto final da frase, o ponto final que torna a frase uma verdadeira frase. Uma frase sem ponto final estaria descaracterizada, assim como a vida sem a morte perderia seu contexto.

A vida tem o contexto de seu extremo valor exatamente por isso, por sua raridade e efemeridade, ela está conosco, mas nem sempre será assim, o que torna ela extremamente valiosa.

Há poucos dias comecei a ler “O Silmarillion”, de Tolkien (livro do mundo do Senhor dos Anéis).

Vou transcrever uma passagem do livro, pela conexão evidente com o texto de hoje:

Esses são os Primogênitos, os Elfos, e os Seguidores, os Homens. O destino dos Elfos é o de serem imortais, amarem a beleza do mundo, conduzi-lo ao florescimento pleno com seus dons de delicadeza e perfeição, durarem enquanto ele durar, jamais o deixando, mesmo ao serem “mortos”, mas retornando — com isso, quando os Seguidores chegarem, ensiná-los e abrir caminho para eles, “desvanecer” à medida que os Seguidores crescem e absorvem a vida da qual ambos originaram-se. A Sina (ou a Dádiva) dos Homens é a mortalidade, a liberdade para além dos círculos do mundo. Posto que o ponto de vista de todo o ciclo é o élfico, a mortalidade não é explicada miticamente: ela é um mistério de Deus sobre a qual nada mais é sabido além de que “o que Deus designou aos Homens permanece oculto” — um pesar e uma inveja para os Elfos imortais.

Tolkien, J.R.R. O Silmarillion – J.R.R. Tolkien, editado por Christopher Tolkien e ilustrado por Ted Nasmith (Portuguese Edition) (p. 22). HarperCollins Brasil. Edição do Kindle.

O livro traz os Elfos, como seres imortais, e os Homens, como seres mortais.

Perceba que os Elfos, imortais, já conhecem toda sua jornada e destino. Por outro lado, os Homens possuem uma jornada e destino que são um mistério, pois a morte os retira dos círculos do mundo (aos quais os Elfos estão “presos”), a morte dos Homens é uma sina, ou talvez seja uma dádiva, pois não se sabe ao certo o que Deus reservou aos Homens após ela.

Vejam que a mortalidade dos Homens causa inveja aos Elfos imortais, presos nos círculos do mundo, sem saber o que os Homens experimentam após sua morte.

Depois deste giro, volto à minha frase.

A vida talvez seja um presente do Universo para sonharmos acordados por um breve período de tempo da eternidade.

E a morte? Permanece a dúvida. Sono profundo ou despertar?

Talvez Platão tenha a resposta. Transcrevo:

Dizem eles pois que a alma do homem é imortal, e que ora chega ao fim e eis aí o que se chama morrer, e ora nasce de novo, mas que ela não é jamais aniquilada. É preciso pois, por causa disso, viver da maneira mais pia possível.

Desenvolvendo esta ideia Platão fala belamente sobre o que ele chama de “Reminiscência”.

Em diálogos como Fédon, República e Fedro, Platão explora essa ideia profundamente, propondo que a alma existe antes do nascimento e continua após a morte, e que ela carrega conhecimento e experiências de vidas passadas.

O processo de anamnese é o que Platão também chama de reminiscência. Na filosofia platônica, esse conceito significa que o conhecimento verdadeiro é uma forma de “lembrança” de algo que a alma já conheceu em existências anteriores, no mundo das Ideias.

Platão explica essa teoria principalmente no diálogo Mênon, onde Sócrates argumenta que aprender é, na verdade, recordar. Ele usa o exemplo de um escravo que, sem educação formal, consegue resolver problemas geométricos complexos com a orientação de Sócrates. A ideia é que o escravo não está adquirindo conhecimento novo, mas sim “relembrando” o que sua alma já sabia.

Para Platão, essa reminiscência ocorre porque a alma, antes de encarnar no mundo físico, teve contato com as Ideias eternas — verdades universais e perfeitas, como a beleza, a justiça e a igualdade. Ao nascer, a alma “esquece” esse conhecimento, e o processo de aprender, portanto, é um processo de redescobrir ou recordar essas verdades. A filosofia, então, é uma ferramenta para despertar essa memória da alma e reconectar-se ao conhecimento verdadeiro que reside no mundo das Ideias.

Volto à minha frase, uma última vez.

A vida talvez seja um presente do Universo para sonharmos acordados por um breve período de tempo da eternidade.

Talvez Platão tenha mesmo a “chave”.

Nossa Alma Eterna se torna presente do Universo ao se fazer vida, quando sonhamos acordados, relembrando aos poucos através da reminiscência, no processo que acreditamos ser o aprendizado, até que chega o momento do ponto final, do nosso corpo, desta existência, quando partimos ao sono profundo, mas nossa Alma Imortal somente desperta, para viver sua plenitude uma vez mais.

Podemos ser agraciados com nossa Alma Imortal, mas ainda assim este momento de nossa vida é único.

Começa no início da frase, com letra maiúscula, e terminará no ponto final da frase.

Somente temos uma missão.

Tornar a “frase” da nossa vida memorável!

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